domingo, 9 de fevereiro de 2014

Uma aventura na selva rondoniense


Foi lá pelos anos 80, não sei qual foi o mês que resolvi ir ver meu velho que morava perto de uma cidade de Rondônia que se chama Vilhena. Eu trabalhava na época na Eletropaulo em osasco e consegui pegar férias de 30 dias para empreender minha viagem. Para mim era tudo novo. Pegar um ônibus que atravessaria o pais passando por alguns estados era algo que eu nunca havia feito antes. Levava simplesmente 3 dias e 3 noites para chegar a Vilhena. Metade da estrada era de asfalto e a outra metade de terra. De vez em quando chovia e todos tinham que descer do ônibus para desatolá-lo empurrando.
. Durante a viagem um veado foi atropelado. Os passageiros desceram e tiraram seu couro e repartiram a carne para assarem mais tarde. Paramos em Mato Grosso e tive que dormir em uma pensão por lá porque o ônibus que continuaria a viagem só sairia no dia seguinte. Cheguei em Vilhena e tomei uma vacina logo na entrada da cidade. Na época nem me liguei que estava entrando num lugar onde certas doenças como a malária e a febre amarela eram comuns. Ao chegar na rodoviãria, pedi ao moto-taxi que me levasse até a casa de ferragens do Sr. Hélio. Ele era um amigo de meu pai e poderia me dizer se o velho estava na cidade ou na mata que chamava de fazenda. Pedi ajuda a um pessoal de uma igreja Batista e eles me deram guarida até que eu achasse meu pai. Todos os dias eu passava na casa de ferragens e perguntava ao Sr. Helio se ele havia visto meu pai. Ele sempre me dizia que ainda não, até um dia em que ele disse: -Seu pai acabou de sair daqui.Corra pela rua que você o encontra. Corri pela rua apressado, até ver meu velho, andando com seus passos firmes e duros e suas mãos de um jeito que era só ele que mantinha quando andava. Mais tarde me peguei copiando tal gesto sem querer, mas me lembrei de meu pai. -Hei pai! -Mas não é que o "cú de seda" veio me ver mesmo? -Pô pai, que linguajar é este? -Não liga não, me dá um abraço.... Abracei meu pai e fiquei impressionado com o aperto que ele me deu. Ficamos alguns dias na cidade ainda. Depois meu pai me levou para o mato, como eles dizem lá. Pegamos um ônibus que ele chamava de "poeirinha" que nos levaria até o Rio Cachoeiro. Descemos num restaurante que ficava a beira da estrada. De lá caminhamos, a noite por 16 quilometros intermináveis para chegar a um rancho que ainda não era o do meu pai. O vizinho nos recebeu com um café quente e um pedaço de bolo. Saimos ainda a noite e continuamos a caminhada. Meu pai olhava para o chão e apontava : Aqui passou uma onça, olha o tamanho desta pegada! -Para que você está me assustando velho... -Velho é sua vó... -Tá bom, não te chamo mais de velho, mas vê se para de me assustar. -Não tenha medo de bicho rapaz, tenha medo de gente. Bicho não ataca por nada, só se esiver com muita fome ou acoado. -Eu espero que esta onça não esteja com fome mesmo. -Bom, fica sossegado que tem muita vaca no pasto para elas pegarem. Chegamos em fim ao rancho de sapé onde meu pai morava.A lua era maravilhosa, clareava tudo, nem precisava de lanternas.
Fomos dormir. A tapera não tinha folha de janela para fechar, a porta não trancava, só encostava. Perguntei ao meu pai se ele não tinha medo de algum bicho entrar. ele novamente repetiu: Tenho medo do bicho homem, do resto eu não tenho não. Dormi com dificuldade naquele dia. Durante a noite meu pai teve febre. Perguntei o que ele tinha e respondeu que era malária. Mas que era normal aquela febre. Ele estava tratando com um comprimido de quinino que era dado pela sudene, mas tinha acabado. Ele tinha que ir num posto buscar e eu iria com ele lá. Era um vizinho que fazia a distribuição, mas a palavra vizinho não tem para os mateiros o mesmo significado que tem para os seres urbanos. Vizinho lá siginifica a"a casa mais proxima" que pode ficar de 2 a mais quilometros longe. Um dos dias meu velho me propôs que fossemos para uma área das terras que ele não conhecia muito bem. Era noite e no dia seguinte levantariamos cedo e partiriamos munidos apenas de um embornal com um bolo que ele sabia fazer na frigideira, um pouco de café numa garrafa térmica, um isqueiro e um pouco de resina que ele tirou de uma árvore. Acordamos cedo e logo saímos ainda com o sol raiando. Conforme iamos caminhando ele ia me falando: Esta árvore aqui se chama Pau de Macaco. Da casca dela você faz um chá que é bom para reumatismo. Ali temos uma planta que se chama chapéu de couro. o chá dela é também muito bom para reumatismo, para limpar o sangue. Não me atenho a detalhes do que ele ia falando porque faz muito tempo e realmente não lembro do nomes de todas as árvores e doenças que eles pretensamente curariam com seus chás. Me lembro no entanto que ele pediu que ele parasse debaixo de uma pequena árvore e ficasse ali por um instante. ele balançou a árvore e choveu formigas das folhas, do caule, te todo lugar. Eu me bati até tirar as danadas do meu corpo. Entraram até em minha cueca. Eu ri porque não tinha o que dizer da brincadeira de mau gosto. -Seja homi, cú de seda! -Pai, para com isto. ser picado por formigas não faz de mim mais homem nem menos. -ai, maricão besta é tu heim... Bom, sei que andamos durante o dia inteiro até que ele admitiu que estava perdido. Estava seguindo o curso do rio mas tivemos que cortar caminho por um lugar mais aberto e pronto, ele disse que se perdeu. Dormiriamos na mata. Havia chovido. -descansaremos depois destas samambaias. Ele apontou para um matagal de samambaias que dava mais do que a altura de um homem. -Mas como atravessaremos esta mata de samambaias? -Nadando por cima é claro. Vai, sobe no colchão e nada. Foi o que eu fiz, imaginando que no meio daquele colchão de samambaias poderia ter tudo quanto é tipo de bicho, mas copiei seus movimentos e por fim, com muito custo, passei ao outro lado das samambaias. -Acamparemos aqui, disse ele. -Aqui pai? Mas dá para fazer uma fogueira? -Claro que sim. Pegue esta resina e junte um pouco de madeira que acenderemos um fogo. -Mas a madeira está molhada. Andou chovendo. -Sim, mas veja aqui, esta resina pega fogo mesmo assim. O fato é que em alguns momentos havia um pequeno fogo. Saia muita fumaça, o que era bom porque espantava os mosquitos. Mas eu passaria o resto da noite assoprando o fogo e pondo mais madeiras para que o fogo jamais se apagasse. Meu pai simplesmente tirou a roupa, pendurou num pau que enfincou no chão, juntou algumas folhas velhas no chão e dormiu a noite inteira como uma criança em cima do montouro de folhas. Eu havia cortado o dedo meio feio até chegar até ali. Eu tinha levado um facão que quebrou o cabo e tentei improvisar um cabo enrolando uma folha de bananeira no aço do facão que ficou exposto por falta do cabo. Quando fui subir em um morrinho, usei o facão para me apoiar e ao escorregar, cortei feio entre o dedo mindinho e o seu vizinho. Sangrou muito e fui obrigado a rasgar um pedaço da camiseta para enrolar o dedo. Só andei até ali com a mão para cima, para o dedo não sangrar mais. Foi assim que passei a noite no meio da floresta. Dedo cortado, ouvindo barulhos de todos os lados e pensando que era onça e meu velho ali, socegado dormindo. No dia seguinte, meu pai acordou como se estivesse acordado em sua casa. Levantou e disse. -Agora ouço o rio, sei que ele está para lá. vamos por ali. andamos no meio da mata passando por várzeas onde eu tinha que mergulhar por baixo de galhos de árvores para poder passar. Lama até o pescoço. Depois de um tempo de caminhada, finalmente chegamos na tapera de volta. A que vocês podem ver na foto acima. Dai, fiz um curativo menos pior do que o anterior e queria dormir. Meu pai não queria. Não tinha sono porque dormira bem a noite toda. Ele queria ir á casa de um vizinho fazer uma visita. Ele me deu uma pinguinha quando chegamos a casa por causa do frio que passei. Ele tomou da pinguinha também e ficou meio chapado. Dai ele tentou me carregar nas costas para chegar até o vizinho.Mas não deu jogo. Por fim resolveu me deixar em paz para dormir. Dormi então no calor do dia, como se dorme depois de uma noite em claro na mata. Essa foi parte de minha aventura em Rondônia com meu velho pagé e mago. Depois eu conto mais.

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